Crônica da despedida

Crônica da despedida

Ontem, 14 de março deste 2023, fui, pesaroso, a uma festa de despedida. Pesaroso pela sensação de distanciamento do amigo que se despedia, em tarde de muito sol, de muito brilho no espaço lúdico de um circo.

Foi lá no Taquaruçu, o acontecido e, enquanto a natureza enfeitava a moldura da serra, cá no vale, justamente no Circo Os Kako, se juntava uma plêiade de amigos do poeta que se despedia.

Ali se irmanavam gentes de todos os haveres, de todos os poderes, de todos os círculos e mesmo de alguns pontos angulares (desses ângulos às vezes agudos, às vezes obtusos da política), mas todos ostentando o carinho por Gilson Cavalcante que se despedia da condição de mortal.

Entrementes, no andar de cima, lá onde brilha o sol astral, ocorria grande festa, plena de luz e de regalos de alegria. O poeta estava a ser recebido com todas as flores que cantou em sua poesia, com pássaros de luz e cantoria de cristal nos bicos que reluzem manhãs.

Na festa de recepção do imortal poeta, a cena era de beleza ímpar, mas só perceptível por quem entende do riscado dos pontos, do cantar dos pontos, além de dominar a pedagogia das almas encantadas. Ali se apresentaram os povos todos que o amor cultiva: o povo do Candomblé com seu axé, o povo de Aruanda com suas cantigas, o povo da luz das antigas, mestres da Ayahuasca com seus adereços incaicos, magotes de erês, tão traquinas quanto o festejado poeta.

Capítulo à parte, circunspecto, entronizado naquela circunspeção revestida de sapiência, um povo da outra banda, que trouxe, em caixinha de mistérios, uma chave cunhada em sete faces e um vértice, um vórtice capaz de abrir os subterrâneos da memória do poeta: chave personalíssima, presente de antigos magos.

No mais, consciências de todas as paragens alumiavam, com luz própria, a etérea praça: guardiões, consciências da Chama Trina, Mestres de todos os matizes, poetas, músicos os mais diversos: desde os clássicos do piano, espargindo notas impossíveis ao ouvido humano aos populares dos atabaques, do berimbau e (sim, os há) da caixinha de fósforos.

O espírito da Natureza, tão cantada pelo poeta, também compareceu, de mãos dadas com a Beleza e, vestida de Alegria, espargia rendas de verdes ramagens, explosões de vermelhos, azuis, alaranjados em todos os tons, elementares e elementais criaturas a homenagear o poeta.

Foi assim a festa de despedida do poeta Gilson Cavalcante, o qual se despediu de nós e das agruras desta vida e deu entrada na imortalidade, em festa memorável.

Cá em nossa tenda tão humana, no circo do cotidiano, nos revezamos a contar para os viventes as primícias da poesia, da amizade, da alegria, dos amores de Gilson. Detalhe importante, não havia cruz na festa de despedida; havia, sim, muita luz, pois o poeta não era adepto de instrumentos de tortura. Ao contrário, imitando Jesus, amava a tudo e a todos com a mais profunda ternura.

O céu se iluminou um tanto mais, pois ganhou mais um anjo de luz. A bênção, Gilsim.

Sobre casagrande

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